segunda-feira, 1 de julho de 2019

"O BEM AMADO", de Dias Gomes (#8)



"O Bem-Amado" é uma peça de teatro, do gênero comédia dramática contemporânea, de autoria de Alfredo Dias Gomes escrita em 1962 e publicada em 1970.

A primeira encenação ocorreu apenas em 1968, no Teatro de Amadores de Pernambuco, devido o grande número de personagens, num total de 15, considerado muito para peças teatrais.

Além disso, Dias Gomes teve outras obras anteriores censuradas. Como a peça faz crítica política, justifica-se o lapso temporal até a obra ser publicada e chegar ao público.

Na televisão, foram exibidas duas adaptações pela Rede Globo, uma minissérie nos anos 70 e uma novela nos anos 80, foi a primeira novela exibida a cores. Em 2010, Guel Arrais produziu o filme da obra.

A obra não apresenta narrador por se tratar de texto teatral, mas tem rubricas, que são as anotações e comandos para os autores realizarem em cena.

A propósito, as rubricas têm relevância na compreensão do texto, das cenas dramatizadas, dos monólogos interiores que acontecem.

O próprio autor Dias Gomes caracteriza a obra como uma farsa sociopolítica-patológica de caráter popular, cômica, crítica de costumes, beirando o patético e o ridículo.

Tal como a "Farsa de Inês Pereira" de Gil Vicente, apresenta traços alegórico e moralizante.

A história se passa na fictícia cidade litorânea de Sucupira, na Bahia, onde a qualidade de vida era ótima. As cenas acontecem na prefeitura, na igreja, no Jornal Trombeta.

Aliás, Sucupira é o nome de uma árvore, assim como o Brasil, que deriva da árvore pau-brasil. Sucupira é metáfora do Brasil.

Sucupira é inspirada em uma anedota de uma cidade do interior do Rio de Janeiro, onde o prefeito queria construir um cemitério vertical.

As personagens

Odorico Paraguaçu: o protagonista. Prefeito da cidade de Sucupira, localizada no litoral baiano. 
Odorico é um político médio, pode ser considerado a caricatura do coronelismo, a pompa vazia do discurso político demagógico.
Do nome da personagem, "Odorico" pode fazer referência a odor, cheiro, aroma. Em indígena, "para" significa rio, águas correntes; "guaçu" significa grande. A cidade é litorânea, à beira mar, economia de pesca.

Chico Moleza: mendigo beberrão, torna-se coveiro da cidade.

Mestre Ambrósio e Zelão: pescadores pacatos, representam os trabalhadores braçais, metonímia do povo da cidade.

Irmãs Cajazeiras: Dorotéia, Judicéia e Dulcinéia, irmãs funcionárias pública, bajuladoras do prefeito sem caráter.

Mestre Leonel: pescador que morre no início da história, não tinha família, foi encontrado morto na praia com seu cachorro lambendo-lhe a face. 

Dirceu Borboleta: secretário de Odorico na Prefeitura, marido de Dulcinéa, coletor de borboletas, fez voto de castidade. Mata Dulcinéa por engano ao saber que ela o traía.

Neco Pedreira: dono do jornal Trombeta,  representa a imprensa suja e manipuladora.

Vigário: representante do clero manipulador do povo.

Zeca Diabo: malfeitor regenerado, cangaceiro, bandido "bom". Caiu no banditismo não por maldade, mas por culpa da sociedade injusta. É devoto de Padre Cícero. Pode-se se fazer um paralelo com Rousseau, ao afirmar que todo homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.

Tio Hilário: tio das Irmãs Cajazeiras.

A linguagem tem grande importância na obra. Por meio dela se revela a falsa retórica persuasiva de Odorico.
Odorico cria palavras que não existem (neologismo), utiliza vocabulário rebuscado, levando a um poder de domínio sobre o povo, que não entende, acata, não questiona.
Os elementos linguísticos por Odorico usados criam a linguagem empolada, com apelo emocional, para enganar o povo ignorante.
A linguagem simples com traços regionais e distorção da norma culta compõe construções sintáticas inusitadas.
Assim, trata-se de uma sática, uma crítica da sociedade (política especialmente), por meio do humor.
Exemplos de neologismo: "genipapação", "genipapista".

A peça

Trata-se de sátira em que se faz crítica social e política por meio do humor. A comédia está nos mal entendidos, confusões e complicações que atrapalham os interesses de Odorico, que mostra um descontrole, ums obcessão por contruir um cemitério na cidade, valendo-se do trágico e do exagero.

Ao final, ironicamente, o desfecho não redime o político corrupto, mas é atingida a finalidade pretendida que é s inauguração do cemitério sendo Odorico o defunto.

O texto teatral é composto por 9 quadros.

Quadro 1 -  O início se dá com a morte de um pescador morador da cidade, cujo defunto estava sendo levado para ser enterrado na cidade vizinha, com dificuldade. O pescador falecido não tinha família.
Odorico demonstra insatisfação em virtude de a cidade, de tanta qualidade de vida, não possuir um cemitério para enterrar seus mortos.
A construção do cemitério passa a ser promessa de campanha de Odorico para prefeito de Sucupira. Os moradores gostam da ideia.
As primeiras características esterotipadas de Odorico são reveladas: criação de palavras que não existem (neologismo), como "pafrentemente", "pratrasmente".
O poder de persuasão do povo por Odorico pode ser observado pelo domínio da lingaguem rebuscada, da falsa retórica que conquista a população.
Diz-se sobre o marasmo da cidade, onde nada acontece e, não havendo violência, não haveria matéria para a imprensa (crítica à imprensa que se alimenta de violência).

Quadro 2: Odorico é eleito prefeito de Sucupira. A prefeitura não tem verbas para a construção do cemitério. Passa a fazer desvios de dinheiro de obras emergenciais, prática típica de político corrupto que é. Desvia dinheiro da educação e do tratamento efluentes, da água, da luz. Ou seja, deixa de atender necessidades básicas dos vivos, para atender as dos mortos, que nao morrem. Os vivos são tratados como "mortos" e os mortos como."vivos"

As irmãs Cazeiras Dorotéia, Dulcinéia e Judicéia são funcionárias da prefeitura, bajuladoras de Odorico.
Dulcinéia, esposa de Dirceu de Castro, o Dirceu borboleta, é amante de Odorico.
Dirceu é secretário de Odorico, coletor de borboletas.

Quadro 3: O cemitério é construído sem defeitos. O cemitério representa a construção de grandiosas obras inúteis em detrimento das necessidades básicas da população, do povo ignorante.
A cidade aguarda um cadáver para inaugurá-lo. A boa qualidade de vida do local leva as pessoas a viverem mais, ninguém morre.
Não há criminalidade, o cemitério está construído há 1 ano e ninguém havia morrido para inaugurá-lo.
Na falta de cadáver, sabendo de um primo moribundo das Irmãs Cajazeiras, Ernesto, Odorico manda buscar o homem agonizante e paga todas as despesas geradas. As despesas pagas pela prefeitura com dinheiro do povo é utilizada para bancar desejo pessoal de Odorico.

Quadro 4: Quadro curto, de tom humorístico, trata da doença e ida do primo Ernesto a Sucupira. 

Quadro 5: Primo Ernesto, que estavs há 3 meses desacreditado pelos médico, após 1 ano em Sucupira se recupera. Há suspeitas de que Judicéa teria algo a ver com a cura, há indícios de que ela engravidou do primo, por estar mais gorda, porém não teve a criança.
Surge a personagem do Zeca Diabo, o cangaceiro, o malfeitor regenerado. Zeca cometeu crimes no passado para se vingar de injustiça sofrido pelo irmão, não era de índole delinquente.
Odorico contrata Zeca Diabo, considerado assassino profissional, como delegado da cidade, orientando que invadisse o Jornal Trombeta, a imprensa local que provoca Odorico, de propriedade de Neco Pedreira. Zeca está redimido, quer perdão pelos seus crimes, prometeu a Padre Ciço (Cícero), de quem é devoto. A índole de Odoroco é pior que a do matador profissional.
As escolas estão em situação precária.

Quadro 6: Neco Pedreira convence Zeca Diabo a publicar história de sua vida. Esta passagem demonstra que a imprensa merece ser ouvida. Zeca Diabo e Odorico brigam.
Dulcinéia engravida de Odorico.
Dirceu Borboleta revela a sensibilidade que a falta da figura masculina, que se espera áspera.
Dirceu Borboleta fez voto de castidade.
Dirceu passa a receber cartas anônimas sobre o caso afetivo de Dulcinéia. Odorico incentiva-o a matar Neco, como suspeito. Dirceu acredita, vai atrás de Neco, mas atinge Dulcinéia, que morre.

Quadro 7: Odorico se anima com a possibilidade de um morto a inaugurar o cemitério. Aparece Tio Hilário, que informa que Dulcinéia deve ser enterrada no jazigo da família em outra cidade. Odorico não quer liberar o corpo.

Qyadro 8: Neco Pedreira descobre a verdade sobre as ordens de Odorico, para que Zeca Diabo matasse o jornalista. Neco vai até a prisão falar com Zeca. Neco publica a história de Zeca. Zeca mats Odorico.

Quadro 9: Finalmente, há um morto para inaugurari o cemitério de Odorico, o próprio Odorico, o bem-amado por todos. Neco diz que somente Odorico poderia inaugurar a obra, mais ninguém.

Citações da obra:

"Os finalmentes justificam os não-obstantes." (GOMES, Dias. O Bem-Amado)

"Três dias já? Nunca vi tanta vocação pra agonizante! É um agonizante praticante."  (GOMES, Dias. O Bem-Amado)

"Meus concidadãos! Este momento há de ficar para sempre guardado nos anais e menstruaus da história de Sucupira!"  (GOMES, Dias. O Bem-Amado)

"Vejam este pobre homem: viveu quase oitenta anos neste lugar. Aqui nasceu, trabalhou, teve filhos, aqui terminou seus dias. Nunca se afastou daqui. Agora, em estado de difuntice compulsória, é obrigado a emigrar, pegam seu corpo e vão sepultar em terra estranha, no meio de gente estranha. Poderá ele dormir tranquilamente o sono eterno? Poderá sua alma alcançar a paz?"  (GOMES, Dias. O Bem-Amado)

"Povo sucupirano! Agoramente já investido de cargo de prefeito, aqui estou para receber a confirmação, a ratificação, a autenticação e por quê não dizer a sagração do povo que me elegeu. (...) Eu prometi que o meu primeiro ato como prefeito seria ordenar a construção do cemitério."  (GOMES, Dias. O Bem-Amado)

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