sábado, 1 de fevereiro de 2020

"NÓS, QUE AQUI ESTAMOS, POR VÓS ESPERAMOS", filme de Marcelo Masagão


"Nós, que aqui estamos, por vós esperamos" ("Nos, qui hic sumus, vos expectamus"), filme dirigido por Marcelo Masagão, de 1999, trata da efemeridade do tempo.

Considerado um documentário historiográfico pela datação de fatos reais. 

Costumo assistir à filmes por indicação e este o foi por um amigo da área das Artes, que me falou que é um vídeo para ser revisto, ruminado.

Devido o peso que obras densas me trazem, não me interessei de imediato, embora prestigie com preponderância obras brasileiras.

Encontrei uma análise sobre o tempo na História e, numa linguagem metalinguística, como a tecnologia interfere no caminhar do tempo. Que não muda, mas pode ser relativizado, modulado, a partir dos recursos criados pela sociedade.

Lembrei-me de uma analista (psicanalista) que dizia algo como "o tempo não permita que nada aconteça sem que ele participe".

E, de repente, cita-se Freud na obra: "Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte desra natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de realização e adaptação".

Reputo a obra freudiana mais autobiográfica a ciência propriamente dita, porém, a cada instante, a cada tempo, parece-me que é assim, mesmo.

Há trechos gráficos pesados, com pedaços de corpos mutilados pela Guerra - aviso porque me fazem mal.

Fala de humanização. Mais que somos indivíduos singulares, além de estatísticas de mortos em guerras. 

Quando o óbvio precisa ser relembrado, a mim, valores estruturais da sociedade já se perderam. Ou foram substituídos, sem juízo de valor num primeiro momento.

Há um viés esquerdista na obra, a opressão da classe operária é representada, permeando universalidades, o que torna a militância mitigada.

Diria que se trata de uma colagem visual, midiática. Imagens reais vão se seguindo, produzindo sentido.

A trilha sonora chamou-me atenção, pela suavidade. Talvez, o contraste do dantesco com o belo. Como a esperança que emerge do caos.

Situações de desigualdade são retratadas em diversos segmentos, Guerra, condições sociais, financeiras, econômicas.

Vislumbrei a urgência do agora de quem busca momentos de amor em meio a dor (casamento de Hans e Ana durante período de guerra).

Fico refletindo se as guerras sociais todas que vivemos internamente não seriam o protótipo das guerras civis. A necessidade em tornar "palpável" para conseguir lidar com o inadministrável de dentro.

"Os homens criam as ferramentas, as ferramentas recriam os homens." (McLuhan) Os sentidos cíclicos da Humanidade. 

As sequelas neurológicas de quem viveu o horror. A irreversibilidade do horror. A morte como possibilidade, alívio. As  neuroses, os distúrbios, as psicoses, a loucura.

"O segredo do demagogo é parecer tão tolo quanto sua plateia, de maneira que essas pessoas possam se achar tão espertas quanto ele." (Karl Kraus, 1874-1936)

É uma obra sobre tempo que exige ele próprio: o tempo de digestão do denso. Precisa ser revisitada, dada sua fertilidade.

Boa sugestão de entrada para  reflexão de adolescentes, diria. Da precariedade humana latente e dos recursos que se lançam mão para lidar com ela.

Que a Arte nos salve das misérias da vida, ou da própria.

"Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz." (Maiakovski, 1907 - o mesmo que disse preferir morrer de vodka a tédio)



#cinema, #nósqueaquiestamosporvósesperamos





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