segunda-feira, 24 de junho de 2019

"QUARTO DE DESPEJO", de Carolina Maria de Jesus (#7)



Quarto de despejo" (1960) de Carolina Maria de Jesus (1914-1977) é uma obra biográfica do gênero diário (subtítulo "diário de uma favelada"), cujo estilo de época pode ser considerado o Contemporâneo, pois não se enquadra em nenhuma escola propriamente dita.

Percebe-se o tom poético em prosa, embora não se trate de poesia em prosa.



O narrador é a autora e personagem da narrativa.

O espaço onde se passa o enredo é a favela Canindé, às margens do Rio Tietê na cidade de São Paulo (não existe mais).

O tempo contempla os anos de 1885 a 1960.

Carolina nasceu em Minas Gerais, pobre, "autodidata", aprendeu a ler por livros e revistas que achou na rua e bibliotecas de pessoas a quem trabalhou como empregada.



Em 1948, Carolina deixa a favela.  Possui 3 filhos: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice Jesus de Lima.

A autora foi escoberta pelo jornalista Audálio Dantas, que fazia uma reportagem na favela Canindé.

Dantas ouve discussões entre os moradores em que identifica a expressão "Vou colocar no meu livro". Interessa-se pela pessoa que falou a frase, era Carolina, escritor e poeta. 

E o jornalista a acompanha até o barraco, ela  mostra a ele cadernos manuscritos. Esses escritos tornam-se o livro, publicado em 1960, como "best seller".



A obra foi traduzido em 13 línguas, pautou estudos sociológicos, culturais. 

Entretanto, o sucesso foi passageiro. 

Carolina grava um álbum musical com  músicas compostas por ela, sem sucesso. 

Compra casa, sai da favela, lança outros livros, sem impacto, quais sejam, "Casa de alvenaria", "Pedaços de fome".



Falece em 13 de fevereiro de 1977, aos 62 anos. Sua filha, Vera Eunice, torna-se professora.

Características da obra: visão de dentro, voz do pobre falando dele mesmo, proprietário da narrativa se manifestando. Singularidade, quebra de expectativas, de estereótipo: mulher nrgra, pobre, mãe solteira, favelada catadora de papel e escritora.

A revisão de Audálio Dantas gera suspeitas de veracidade da obra. Todavia, Manuel Bandeira chancela a autoria de Carolina, afirmando que, ainda que a história fosse inventada, o discurso não o era.

Clarice Lispector e Carolina de Jesus


Estrutura narrativa: diário pessoal (narradora protagonista).

Linguagem simples e rebuscada, palavras incorretas ("iducada") e funestas, tépida. Desenvolve-se, aprimora-se no decorrer do tempo.

Denúncia social: violência, sexo, miséria, fome, vício. Não há alusão a crimes.



Personagens: Carolina, filhos, Sr. Manoel, Orlando Lopes (espécie de cobrador agiota), Cigano, pai de Vera.

Tempo: 15 a 28 de julho de 1955, 02 a 31 de maio a dezembro de 1958, 1o de janeiro a 31 de dezembro de 1959 e 1o de janeiro de 1960.

Vida na favela faz referência ao Mito  de Sísifo: castigo pelos deuses tralizando as mesmas atividades diariamente (acorda busca água, faz café, catadora). Não gosta de final de semana, trabalha mais. Primeiro e último dias são iguais.

Importância da educação. Consciência social de sua negritude (considera-se bonita sendo megra) e política (cita o Prefeito Jânio Quadros, o Presidente Juscelino Kubitschek, o Governador  de São Paulo Adhemar de Barros).

Metáfora da obra: o quarto de despejo é a favela, onde se joga o que ninguém quer ver: 
"Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

Metalinguagem: "vou por seu nome no meu livro", livro forma de resistencia? Luta, sobrevivencia.



Tema "água": todas as manhãs, buscam água, água cobrada.

"(...) fui buscar água. Fiz o café. Avisei as crianças que não tinha pão (...)" (16/07/1955)  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo") 

"(...) Já faz seis meses que eu não pago a água. 25 cruzeiros por dia." (11/07/1958)  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) Eram 4 horas quando eu fui pegar água, porque o tal Orlando Lopes disse que não deixa eu pegar água." (29/06/1959)  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"Levantei as 5 horas e fui carregar água." (1o/01/1060)  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

Tema "favela":

"(...) As oito e meia da noite eu já estava na favela respirando o odor dos excrementos que mescla com o barro podre. Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) Chegou um caminhão aqui na favela. O motorista e o seu ajudante jogam umas latas. É de linguiça enlatada. Penso: É assim que fazem esses comerciantes insaciáveis. Ficam esperando os preços subir na ganância de ganhar mais. E quando apodrece jogam fora para os corvos e os infelizes favelados."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) Está chovendo. Eu não posso ir catar papel. O dia que chove eu sou mendiga. Já ando mesmo trapuda e suja. (...) Os favelados são considerados mendigos. Vou aproveitar a deixa."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) Quando vou na cidade tenho a impressão que estou no paraízo. (...) Aquelas paisagens há de encantar os olhos dos visitantes de São Paulo, que ignoram que a cidade mais afamada da América do Sul está enferma. Com suas úlceras. As favelas."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) Morreu um menino aqui na favela. Tinha dois meses. Se vivesse ia passar fome."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

Tema "datas festivas":

"15 de julho - Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um pai de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"11 de maio - Dia das Mães. O céu está azul e branco. Parece que até a natureza quer homenagear as mães que atualmente se sentem infeliz por não poder realisar os desejos dos seus filhos."

"15 de julho - Hoje é aniversário da minha filha Vera Eunice. Eu não posso fazer uma festinha porque isto é o mesmo que querer agarrar o sol com as mãos. Hoje não vai ter almoço. Só janta."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"06 de agosto - Fiz o café para o João e o José Carlos, que hoje completa 10 anos. E eu apenas posso dar-lhe os parabéns, porque hohe nem sei se vamos comer."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"10 de agosto  - Dia do papai. Um dia sem graça."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

Visão política:

"(...) A democracia está perdendo seus adeptos. No nosso país tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos fraquíssimos. E tudo que é fraco morre um dia". (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"Quem governa o nosso país é quem tem dinheiro, quem não sabe o que é fome, a dor e a aflição do pobre. Se a maioria revoltar-se, o que pode fazer a minoria?" (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) De quatro em quatro anos muda-se os políticos e não soluciona a fome, que tem sua matriz nas favelas e as sucursais nos lares dos operários." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) O povo não está interessado nas eleições, que é o cavalo de Tróia que aparece de quatro em quatro anos." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

Tema "alcoolismo":

"Hoje a Leila está embriagada. E eu fico pensando como é que uma mulher que tem duas filhas em idade tenra pode embriagar-se até ficar inconsciente. E se ela rolar na cama e esmagar a recém nascida?" (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) a Zefa é mulata. É bonita. Só que ela bebe muito. Ela já teve duas filhas, e bebia muito. Esquecia de alimentar as crianças, e elas morreram."

"(...) Ela está bêbada. Um menino de nove anos. O padrasto bebe, a mãe bebe e a avó bebe. E ele é quem vai comprar pinga. E vem bebendo pelo caminho." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) Eu prefiro empregar o meu dinheiro em livros do que em álcool." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

Tema "fome":

"(...) Percebi que no frigorífico jogam creolina no lixo, para o favelado não catar a carne para comer. Não tomei café, ia andando meio tonta. A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) Como é horrível ver um filho comer e perguntar: 'tem mais?' Esta palavra 'tem mais' fica oscilando dentro do cérebro de uma mãe que olha as panelas e não tem mais." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo)

"Sábado é o dia que fico louca porque preciso arranjar o que comer para o sábado e o domingo." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo)

"Os meus filhos estão sempre com fome. Quando eles passam muita fome eles não são exigentes no paladar." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

" - Mamãe, vende eu para a Dona Julieta, porque lá tem comida gostosa." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

Tema "Literatura":

"12 de junho - Eu deixei o leite as 3 horas da manhã porque quando a gente perde o sono começa a pensar nas misérias que nos rodeia. Deixei o leite para escrever. Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhante. Que a minha vista circula no jardim e contemplo as flores de todas as qualidades. É preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) Toquei o carrinho e fui buscar mais papéis. A Vera ia sorrindo. E Eu pensei no Casimiro de Abreu, que disse: 'Ri criança. A vida é bela'." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nos quando estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro." (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")



Outras citações:

"Eu ando tão preocupada que ainda não contemplei os jardins da cidade."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"Eu não consegui armazenar para viver. Resolvi armazenar paciência."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"O Brasil precisa see dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora."   (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

"(...) parece que vim ao mundo predestinada a catar. Só não cato a felicidade."  (JESUS, Carolina Maria de. "Quarto de despejo")

Fonte das imagens: coletânea de Internet.


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